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Uma conversa enriquecedora com Cleber Gomes

24 de maio

A conversa enriquecedora desta vez é com Cleber Gomes, engenheiro automotivo e professor de engenharia nas instituições FEI, Fatec, Senai e professor convidado no MBA de Gestão de Projetos na FGV. 

Neste bate-papo, Gomes falou sobre como surgiu o interesse por engenharia mecânica, quem foram os seus grandes incentivadores na área, o início de carreira na indústria, sua fase como docente nas maiores instituições nacionais e muito mais.

Na SAE BRASIL, Gomes é juiz voluntário nas Competições Estudantis Baja e Fórmula, membro da Comissão de Educação da Mobilidade e grande colaborador e incentivador da área SAE Cursos, onde ministra Calibração de Motores, Engine Cooling e Gerenciamento de Projetos Automotivos.

Continue a leitura e entenda mais sobre a relevância que Cleber Gomes tem para a formação de novos talentos da engenharia no Brasil. 

SAE BRASIL: Como surgiu o interesse por cursar Engenharia Mecânica?  

Cleber Gomes: Comecei fazendo curso técnico em mecânica no Liceu de Artes e Ofício. Fui seguindo os passos que meu irmão mais velho tinha feito, eu acreditava que seria um bom caminho. No começo não tinha muita noção do que era mecânica não, a vida que foi me levando por esse caminho. Meu avô tinha sido torneiro mecânico, mas já havia falecido, então eu não tinha uma referência forte. 

Iniciei o estágio e tinha um cara – acho que ele não era brasileiro, talvez fosse alemão – que eu observava muito. Ele tinha um crachá escrito “Engenheiro”. Daí eu pensei: “Nossa, esse cara é engenheiro. Um dia quero ser engenheiro também!” Então fui me espelhando nele. 

SAE BRASIL: E quem são os maiores incentivadores na sua carreira?

Cleber Gomes: Pai e mãe sempre, né? Inclusive, quando entrei na escola técnica, fiquei na lista de espera, não entrei de primeira. Eu tinha estudado muito naquele período e pensando que talvez não fosse conseguir entrar e fui viajar. Só que fui chamado e minha mãe teve que ir atrás de um documento específico para conseguir fazer minha matrícula sem meu RG, que eu tinha levado comigo. No fim, deu tudo certo.

Ela era quem sempre estava me esperando acordada. Meu pai também sempre me motivou e apoiou. Os dois sempre com muito carinho. Depois a Carla, minha esposa. Só foi possível ir duas vezes para as competições da SAE BRASIL nos EUA como juiz porque tive o apoio dela.

SAE BRASIL: Quando chegou a hora de prestar vestibular, você se inscreveu para outros cursos também?

Cleber Gomes: Não, fui exclusivamente para Engenharia Mecânica. Não tinha dúvidas e entrei no Mackenzie. E foi lá que meu amigo Lucas, outros colegas e eu tivemos o conhecimento do projeto Baja da SAE BRASIL. Então, começamos a fazer o carro com tubos de plástico PVC. 

No início acharam a gente um pouco louco, pois não entendiam muito bem o porquê de construir aquele carro [risos]. Na verdade, a gente também não sabia muito. Então fomos até a FEI. Lá, fomos recebidos pelo professor Ricardo Bock, que muito atencioso nos mostrou como era de verdade o carro. E ver todo aquele projeto de perto fez toda a diferença. Então, ele também foi parte da nossa entrada na competição. 

Participamos por 4 anos. Nossas famílias também acabavam se envolvendo, pois iam assistir às competições. Lembro-me da minha avó lá falando para mim: “Fica calminho, que o seu carro vai chegar na final. E sempre com o Ronaldo (Bianchini, gerente dos Programas Estudantis) judiando da gente! [risos]

Na nossa última competição, lembro que chorei muito por saber que tudo aquilo tinha acabado, porque além de muito aprendizado, era muito divertido.

SAE BRASIL: Depois você se tornou juiz nas competições dos Programas Estudantis da SAE BRASIL?

Cleber Gomes: Isso. Depois de chorar muito na última vez que participei da competição como estudante, descobri que tinha outra forma muito legal de continuar participando, e de maneira

mais leve, porque a gente pode ir dormir quando anoitece. Quando somos estudantes não dá não. [risos]

E a gente se torna também meio que um incentivador para os estudantes. Lembro que tinha uma equipe que era de outro Estado (a competição ocorreu no estado de São Paulo), e eles estavam bem desanimados, porque o carro tinha quebrado. Eu os incentivei a consertarem, a não desanimarem ali já “na boca do gol”.

Outra vez, teve um garoto de uma equipe do Nordeste; não me lembro de qual faculdade era, que tinha aquele brilho nos olhos apresentando o projeto deles, sabe? Que é o que a gente gosta de ver. 

Mantivemos contato e acabei indicando-o para uma vaga na Ford, em Camaçari/BA, e a minha referência para a pessoa que iria entrevistá-lo foi exatamente essa: “Ele tem aquele brilho nos olhos quando fala do projeto”. Ele foi contratado! É uma grande alegria saber disso. Só muda a forma, mas continua sendo gratificante participar das Competições.

E tem vários outros casos que surpreenderam, como o do Camilo, estudante aqui de São Paulo. Durante uma competição, me chamou para mostrar uma patente que ele tinha no carro. 

Já na última competição presencial, antes da pandemia pelo Covid-19, teve uma garota apresentando o projeto, mas eu praticamente não conseguia fazer uma pergunta de tanto que ela mandava bem na apresentação. Ela estava mais me ajudando do que eu a ajudando! [risos]

Também teve as competições nos EUA, que eu tive o privilégio de acompanhar. Lá, vi a equipe da Unicamp vencer em todas as categorias no Elétrico. Dá um orgulho grande na gente!

Vi também uma equipe do México apresentando um carro muito simples feito de cano de PVC. Fui ajudá-los a traduzir o que o juiz americano estava dizendo a eles. Foi muito bonito porque o juiz falou para eles: “Obrigado por vocês terem vindo, porque esse é o espírito da competição”, diz Gomes emocionado.

Com certeza eles montaram aquele carro com muitas dificuldades, tanto de estrutura quanto financeira, mas o juiz, que provavelmente era um grande executivo de uma montadora, fez questão de mostrar o quanto era importante eles estarem ali. 

Provavelmente hoje esses garotos devem ser bem-sucedidos lá no México. Torço muito por isso e sei que naquele momento eles entregaram o melhor que eles tinham.

Outras equipes ganharam lá fora, como a FEI e a Universidade de Santa Maria, mas quando chegam lá é Brasil, né? As equipes brasileiras são muito bem reconhecidas lá fora. E as universidades ficam conhecidas também.

SAE BRASIL: Foi difícil conseguir a primeira oportunidade de trabalho na indústria?

Cleber Gomes: Um colega do Baja, que já trabalhava na MSX, me indicou para uma entrevista. Foi assim que consegui o meu primeiro estágio. Quando me formei, fui efetivado.

Não digo que foi fácil, porque tive que me preparar bem. E isso foi com bastante esforço. Mas, por já estar estagiando quando me formei, o processo de efetivação foi tranquilo.

SAE BRASIL: E você ficou bastante tempo na indústria?

Cleber Gomes: Fiquei até janeiro de 2019. Foram várias empresas nesse período. Na Ford, fiz o projeto de um carro do início ao fim. Trabalhei da estratégia ao pós-venda. 

Depois, fui trabalhar com consultoria de Projeto Ágil. Foi bem desafiador, porque foi na área de TI. Então era: ouvir o que aqueles caras estavam falando e depois sair pesquisando para entender tudo aquilo.

O bom de ir para outras áreas é que eles estão à frente da indústria. Na minha visão, a startup é muito mais ágil. Então, é aprender com eles e aplicar na indústria. Por exemplo, o Scrum (um framework para ensinar projetos) eles já usam há mais de 10 anos, e a indústria automobilística está começando a usar.  A Tesla, por exemplo, por não ser uma empresa tradicional, aplica de forma bem mais rápida uma técnica de outra área do que uma empresa tradicional. 

SAE BRASIL: Por isso você enveredou também para a área de planejamento de projeto na área automotiva?

Cleber Gomes: Isso. Vou te dar um exemplo: uma equipe do Baja ou Fórmula, quando termina o carro na hora da competição, é sinal que houve falha no planejamento. Pode não ter faltado esforço, mas algo falhou no gerenciamento do projeto. Pode não haver, por exemplo, tempo de testar e o carro quebrar na segunda volta do enduro.

Na indústria não tem espaço para isso, pois envolve a vida das pessoas. Pode gerar recall que, além da gravidade, gera um custo muito alto para a empresa. Então, não dá para fazer um projeto na “raça”. Tem que ter o gerenciamento do projeto onde envolve todas as áreas e todos acompanham esse planejamento.

Não significa que tem que entender profundamente sobre todas as áreas, mas o básico para que haja diálogo nesse processo. Hoje, como engenheiro mecânico, preciso saber de elétrica. E tudo isso é para errar menos e, quando errar, agir rápido para corrigir o erro. Não pode ser só o gerenciamento de projetos, mas tem que ser o planejamento ágil de projetos. 

SAE BRASIL: Imagino que ter se tornado também um professor, além do profissional da indústria, deve ser muito prazeroso. Ensinar sobre aquilo que gosta, transmitir além do conhecimento, um pouco dessa paixão, compartilhar seu entusiasmo com quem está começando agora… Como surgiu e como você recebeu a oportunidade de lecionar?

Cleber Gomes: Assim que eu comecei a estagiar consegui comprar um computador. Ficava horas pesquisando e aprendendo como usá-lo. Aí consegui uma vaga de instrutor na SOS Computadores e gostei muito da experiência.

Achei muito legal ensinar por dois motivos: primeiro, porque é uma tentativa de fazer diferença nas vidas das pessoas, e o segundo, é que a gente aprende muito. Até falei sobre isso para os

meus filhos esses dias: “quando vocês forem estudar, um jeito bom de aprender é ensinar os outros”. Então essa foi a primeira oportunidade de dar aula.

Depois, já com mestrado, minha amiga Adriane (Colossetti, da Sunsetti Treinamentos e Serviços) me convidou para dar aula. Foi bem desafiador, pois era um assunto que eu tinha pouco conhecimento. Mas, sem juízo, topei [risos]. E a partir daí não parei mais.

É muito recompensador. Você faz muitos amigos, vê o brilho nos olhos de quem está recebendo aquelas informações pela primeira vez, fica sabendo das carreiras iniciadas depois das aulas, realmente é muito bom!

Por exemplo, nos cursos que ministro na SAE BRASIL, não tem prova de avaliação para o aluno. Então, quando alguém faz um elogio, você sabe que é verdadeiro, porque ele não tem interesse em estar te falando aquilo. É muito gratificante. Até hoje fico ansioso antes de começar qualquer curso!

Na Fatec foi onde comecei a dar aulas mais focadas em engenharia mecânica, que foi sobre Calibração de Motores. Foi um curso começado do zero. Minha experiência na indústria ajudou, claro, mas foi bem desafiador preparar todo o material do curso para os alunos. O legal é que pedi ajuda para um professor sênior que eu nem conhecia pessoalmente, ele prontamente aceitou e foi lá me ajudar. 

É muito importante essa rede de apoio que foi se criando e mantemos até hoje. A gente se ajuda muito. Exemplo: “eu não sei fazer, mas sei quem sabe! ” E rapidamente os contatos são feitos.

Hoje, além da Fatec, também sou professor na FEI, Senai e claro, na SAE BRASIL. Tenho um baita orgulho de estar nessas instituições.

SAE BRASIL: Te ouvindo percebi que a SAE BRASIL é bem presente na sua trajetória. Começou lá no primeiro ano da sua graduação e hoje você é bem atuante na entidade.

Cleber Gomer: Digo que temos que ser unidos, e ser unidos é estar com a SAE BRASIL. 

Encontrei nos corredores da exposição de um dos congressos da entidade o Renato Mastrobuono e o sr. Eduardo Burgos, com quem trabalhei na Ford. Tive aquele momento de tietagem e falei: “quero tirar uma foto com vocês”, pois foi o encontro com duas pessoas que admiro muito. E os dois, extremamente educados e gentis, tiraram a foto comigo. 

Então, a SAE BRASIL é esse lugar onde você vai encontrar uma pessoa que tem um cargo alto em uma empresa conversando e interagindo com todos. Ali, ele é mais um membro da SAE BRASIL que tem uma boa ideia de fazer as coisas acontecerem.

Outra pessoa a quem eu sempre recorro é o João Pimentel, ex-diretor da Ford. Assim como os alunos que vêm conversar comigo e pedem conselhos, eu faço o mesmo com ele. Tenho-o como um professor.

É isso que acontece na SAE Brasil: um ajuda o outro. Se esse princípio é mantido, muita coisa boa acontece. Se você já é graduado, como pode ajudar os que entraram na graduação agora? Se você é presidente de uma montadora, como pode ajudar quem está chegando agora?

Ah! Uma coisa pessoal… Consegui 100% de bolsa no Mackenzie por causa do Baja. Tive praticamente os 4 anos de graduação de forma gratuita, com a possibilidade de me dedicar mais aos estudos por conta da bolsa. 

Quando eu ia para entrevistas de estágio, eu levava fotos do Baja. E isso também ajudava muito, porque a gente sai da competição com experiência para indústria. Então, isso desperta o desejo de poder de alguma forma retribuir.

SAE BRASIL: E tem alguma história engraçada para contar?

Cleber Gomes: Olha, tem sim. Mais uma vez do Baja. A primeira vez que o nosso carro andou dentro da faculdade, atropelamos a cantina. [risos]

Todos empolgados, comemorando que o carro estava andando, mas aí percebemos que tínhamos esquecido de regular o freio… O carro quase entrou na cantina. Graças a Deus não tinha ninguém lá, também não aconteceu nada grave com o piloto. Tirando o susto, foi engraçado!

SAE BRASIL: Você tem dois filhos, a Ana Carolina e o Matheus. Sei que eles ainda são crianças e é cedo para isso, mas você percebe neles o interesse pela engenharia mecânica? 

Cleber Gomes: Olha, desde muito novinhos minha esposa e eu os levamos para as competições, como a gente fala, “para cheirar gasolina” [risos]. Claro, não fazemos isso para forçar, a escolha será deles. Esses dias, fui acompanhar uma perícia e a Carol quis ir junto para ver como era. Foi legal ver o interesse dela. Então, pode ser que nas competições do futuro da SAE BRASIL, que provavelmente será de carros autônomos [risos], um dos dois ou dois, estejam por lá.