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Como o Brasil pode explorar todo o seu potencial na produção de energia renovável

3 de dez

Painel Engenheiros-chefe encerrou o segundo dia do WEB FÓRUM SAE discutindo as múltiplas oportunidades do Brasil no desenvolvimento e exportação de tecnologias

O Painel Engenheiros-Chefe fechou o segundo dia do WEB FÓRUM SAE BRASIL, com o tema “O desenho da matriz energética automotiva brasileira para os próximos anos”, em que foram discutidas as oportunidades que o País possui no desenvolvimento e otimização das suas energias renováveis.

Participaram da discussão o Diretor de Segurança Veicular e Compliance do Produto da FCA, João Irineu Medeiros; o Gerente Executivo de Engenharia de Caminhões da Scania Latin America, Rubens Garcia; e Carolina Grassi, pesquisadora da UNICAMP e Business Development Lead da Roundtable on Sustainable Biomaterials. As apresentações contaram com a moderação do Líder do setor de Industrial Markets e Automotivo da KPMG, Ricardo Bacellar.

A matriz energética brasileira é formada hoje por 45,3% de energias renováveis e 54,7% de energias não-renováveis, e tem um potencial enorme a ser desenvolvido. Olhando para esse cenário, a indústria automobilística vê oportunidades nas fontes renováveis, como o etanol de cana de açúcar, o etanol de milho, o biometano e a eletricidade.

Segundo Carolina Grassi, é preciso pensar em sustentabilidade de forma ampla e para todos os eixos: o ambiental, o social e o econômico. “O Brasil, com o seu enorme potencial em geração de energia renovável é um ator fundamental nessa área, principalmente no setor de biocombustíveis e devido ao conhecimento que adquirimos”, salientou.

No aspecto econômico, segundo ela, é preciso olhar para as leis, planejar, monitorar e melhorar continuamente as tecnologias e como os resíduos são manejados. Já os aspectos ambientais dizem respeito às emissões de gases de efeito estufa, a conservação das florestas, do solo, da água e a qualidade do ar. As questões sociais envolvem os direitos trabalhistas, pensar em como desenvolver mais as áreas rurais, a segurança alimentar e os direitos da terra.

No caso das emissões de gases de efeito estufa, que hoje chegam a 49,4 bilhões de toneladas de CO2eq, cerca de 12% são provenientes do transporte terrestre. No Brasil as duas principais causas de emissão estão relacionadas ao uso do solo e à agricultura, por isso existe a necessidade de pensar em uma matriz energética para a indústria automotiva utilizando biocombustíveis avançados, mas olhando não apenas para a sua utilização no veículo, mas para toda a sua cadeia de produção.

“Precisamos de tecnologia, de inovação, buscar uma matriz e soluções que emitam menos CO2 para cada quilômetro percorrido. Nesse caso, estamos englobando tanto a eficiência quanto o consumo energético. Entre as alternativas estão o aumento da produtividade dos biocombustíveis, algo que está totalmente ao nosso alcance. Já somos o segundo maior produtor de biocombustível e etanol no mundo, com uma indústria estabelecida e um conhecimento gigantesco na área”, detalhou Carolina.

Hoje, por meio da cana de açúcar, é possível produzir 10 mil litros de etanol por hectare, entre 1ª geração (caldo de cana) e 2ª geração (resíduos, palha de cana). Mas, se considerada a cana-energia, uma cana-de-açúcar geneticamente modificada para se tornar mais produtiva na fabricação de biocombustível, bioquímicos e geração de energia renovável, essa produtividade pode chegar a 20 mil litros de etanol/hectare. Ou seja, no mesmo espaço de terra é possível produzir o dobro de etanol.

Outra alternativa apontada é o etanol de milho, que pode ser cultivado junto com a soja, o que já ocorre na região Centro-Oeste. Considerando esse potencial da segunda safra de milho sobre a cultura de soja, pode-se aumentar em até 8 milhões de litros de etanol por ano produzidos.

“Além disso, precisamos aumentar a produtividade olhando para os resíduos produzidos. Já existem tecnologias que utilizam gases de escape de aciarias (unidade de uma usina siderúrgica onde se transforma o ferro gusa em aço) para a produção de etanol, assim como resíduos florestais e de palha-de-cana que também permitem a produção de biometano. Tudo isso sem alterar o uso da terra, sem aumentar a utilização de fertilizantes, de corretivos agrícolas e sem desmatar”, apontou.

Carolina chamou a atenção para essas ações, que poderiam transformam o etanol em uma commodity a ser produzida em qualquer país do mundo. “Deixa de haver o limitante de espaço, clima e solo para cultivo de biomassa porque é possível utilizar outros tipos de matéria-prima. Nesse caso exportaríamos tecnologia brasileira, como, por exemplo, a do carro flex fuel, além de pensar nas matrizes energéticas de outros países também utilizando o etanol”.

Gases nocivos e a eletrificação

Para o Diretor de Segurança Veicular e Compliance do Produto da FCA, João Irineu Medeiros, além de se considerar a redução de emissão dos gases estufa, há outros desafios que são igualmente importantes, como a redução da emissão de gases nocivos, como monóxido de carbono, hidrocarbonetos, óxidos de nitrogênio, aldeídos e evaporados. Através do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) foram impostos limites nas emissões, que vão de L1 (1988) a L8 (2025). 

“Hoje estamos na fase L6 e já com programas aprovados para L7 e L8, além de um alinhamento global com países que hoje são referência no nível de emissões de gases nocivos, como Estados Unidos e a União Europeia. Já houve uma redução enorme desde que o Programa teve início e as próximas etapas imporão o uso de uma série de tecnologias. Seja nas emissões de CO2 ou de gases nocivos, temos projetos bastante ambiciosos para o Brasil nos próximos anos. São desafios impostos à engenharia brasileira, principalmente levando em consideração que temos o etanol”, reforçou João Irineu.

Ele explicou que para a primeira fase da “Rota 2030” – lei destinada a promover a potencialização do setor automotivo no país, sancionada em dezembro de 2018 – foi preciso mudar as plantas de motores e de veículos para modernizá-los e fazer frente à evolução e aos novos requisitos de emissão de CO2 impostos.

Mas ele acrescentou que ainda há muitas oportunidades na evolução do processo de fabricação do etanol. “Poderemos desenvolver e melhorar a eficiência do nosso motor a etanol por meio do uso de algumas tecnologias, como é o caso do turbo, injeção direta e melhoria termodinâmica. Há ainda outros passos que podemos dar, como, por exemplo, os motores híbridos e a eletrificação de alta voltagem, através de soluções plugin ou não plugin, além do carro elétrico funcionando com a célula de combustível, mas não alimentado por hidrogênio e, sim, por etanol líquido”, detalhou.

Veículos comerciais e o gás

Ao considerar a utilização de gás em veículos comerciais, como em ônibus e caminhões, o Gerente Executivo Engenharia de Caminhões, Scania Latin America, Rubens Garcia, afirmou que já houve tentativas de utilização do etanol entre outros combustíveis, mas a conta não fechava e era preciso ter outra alternativa ao diesel. O gás tomou esse lugar.  

“A tecnologia de gás tanto no Brasil quanto na América Latina é madura e consolidada para caminhões e ônibus, mas nesse momento estamos mostrando mais os seus potenciais e benefícios, que são enormes. Há uma menor emissão de CO2, são veículos mais silenciosos e o custo total para o proprietário, que leva em conta a aquisição, a depreciação, e o custo operacional, é mais vantajoso. Apesar do custo de aquisição ser um pouco maior, há uma vantagem enorme no custo operacional, que faz com que a conta, com o gás, feche”, ressaltou.

O gás mais comum utilizado para veículos comerciais é o mesmo para automóveis, o gás comprimido (GNV), que para um caminhão traz uma autonomia de cerca de 500 quilômetros. Há também o gás liquefeito (GNL), que dobra a sua autonomia para algo em torno de 1.000 quilômetros. 

“Se aproveitássemos todo o nosso potencial de biogás aqui no Brasil, seria suficiente para atender 38% da nossa demanda de energia elétrica, e na parte de diesel, o biometano conseguiria substituir em 76% o uso do diesel. Mais da metade da energia que usamos hoje vem de fontes não renováveis e o que temos que fazer é inverter essa lógica, aproveitar o nosso potencial em energias renováveis, as tecnologias que temos e o conhecimento local”.

Rubens frisou ainda que o transporte do futuro não será somente elétrico, mas eclético. “Tem lugar para os mais variados tipos de combustível, por isso temos que explorar todo o nosso potencial, olhando para dentro da nossa casa, para o biocombustível, o etanol e o gás”. O Painel Engenheiros-Chefe conseguiu desenhar aquilo que se espera para uma matriz energética eficiente e promissora nos próximos anos, valorizando o que o Brasil tem de melhor a oferecer, além de mostrar quais caminhos seguir para desenvolver o enorme potencial que o País tem na geração de energia renovável, principalmente no setor de biocombustíveis, e como é possível aumentar a produção, diversificar a matéria-prima e, inclusive, exportar